terça-feira, 3 de abril de 2007

Sinfonia de superficialidade


Eu apresento a página branca.


Contra:


Burocratas travestidos de poetas

Sem-graças travestidos de sérios

Anões travestidos de crianças

Complacentes travestidos de justos

Jingles travestidos de rock

Estórias travestidas de cinema

Chatos travestidos de coitados

Passivos travestidos de pacatos

Medo travestido de senso

Censores travestidos de sensores

Palavras travestidas de sentido

Palavras caladas travestidas de silêncio

Obscuros travestidos de complexos

Bois travestidos de touros

Fraquezas travestidas de virtudes

Bagaços travestidos de polpa

Bagos travestidos de cérebros

Celas travestidas de lares

Paisanas travestidos de drogados

Lobos travestidos de cordeiros

Pedantes travestidos de cultos

Egos travestidos de eros

Lerdos travestidos de zen

Burrice travestida de citações

água travestida de chuva

aquário travestido de tevê

água travestida de vinho

água solta apagando o afago do fogo

água mole sem pedra dura

água parada onde estagnam os impulsos

água que turva as lentes e enferruja as lâminas

água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções

insípida, amorfa, inodora, incolorágua que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky

água onde não há seca

água onde não há sede

água em abundânciaágua em excesso

água em palavras.

Eu apresento a página branca.


A árvore sem sementes.


O vidro sem nada na frente.
Contra a água.
Arnaldo Antunes in Tudos